Nova York em Noite de Bruxas
Marino Murphy

 
Uma crônica diferente de uma viagem diferente: Nova York em Noite de Bruxas. Um passeio pelos lugares mais emblemáticos, com incríveis personagens e monstros horrivelmente encantadores. 
 
Nova York é uma cidade onde tudo pode acontecer, especialmente em noite de Halloween. Cai o sol e no metrô é possível viajar com criaturas assustadoras, seres procedentes do inframundo, zumbis, alienígenas que calçam Converse All Star e fadas madrinhas que não deixam de checar seus iPhones.  
Crianças que vão repetindo o famoso "doce ou travessura", um jovem de touca e calças largas de rapper com uma faca de plástico cravada na cabeça, o inusitado que pensamos que só existe nos filmes, como por exemplo, encontrar o Incrível Hulk saindo do escritório ainda vestido de terno e gravata. Hoje tudo é válido.
É 31 de Outubro, Noite de Bruxas, e as criaturas mais horripilantemente divertidas saem para comemorar pelas ruas de Nova York.
Na 45th Street com a 7th Avenue vai caminhando o Frankestein ao lado de Mickey Mouse, enquanto o célebre personagem de Star Wars, Chewbacca caminha tranquilamente com seu café de Starbucks nas mãos. Todo mundo em Nova York caminha com seu copo de café de Starbucks nas mãos. É mais fácil andar sem roupa por Nova York sem chamar a atenção do que caminhar sem tomar um café, isso é impossível e inconcebível para os nova-iorquinos. Caminhar sem tomar um café, sem comer uma porção de pizza ou um Big Mac. Os nova iorquinos tomam o café da manhã, almoçam, jantam, revisam e-mails ou fecham negócios de suas vida, enquanto caminham.  
Nesta cidade não há tempo a perder. Tudo está em movimento. E quanto mais rápido melhor. Sobre tudo nessa Noite de Bruxas, onde as ofertas são inesgotáveis. 


No cair da noite  começa o desfile de Halloween no Village, o maior desfile de Noite das Bruxas do mundo atrai cerca de dois milhões de espectadores e onde desfilam em torno de 45 mil pessoas. O primeiro desfile foi no ano de 1973, o percurso é de mais de um quilômetro, atravessando a famosa 6th Avenida.  
Participar é fácil. Basta ir fantasiado uma hora antes de começar o desfile e esperar na linha de saída, que esta localizada na 6 Avenida com as Springs St e a Broome St. No evento apresentam-se bandas ao vivo, bailarinos, artistas, carros alegóricos, e centenas de assustadores bonecos gigantes. Pelas ruas desfilam vampiras, idosas com abóboras na cabeça, garotinhos disfarçados de esqueletos dançantes, todo tipo de zumbis, enfermeiras com cinta-liga, jovens descolados com flechas ensanguentadas, palhaços diabólicos, nova-iorquinos com máscara de Osama Bin Laden, muçulmanos vestidos de Superman.  
Outro lugar interessante para visitar durante a comemoração do Hallowen é o Museu Americano de História Natural, localizado no Central Park com a 79th Street. É um ótimo passeio para fazer com as crianças, já que além de apreciar as encantadoras salas do museu é possível assistir atuações ao vivo e participar de cursos de arte e trabalhos manuais, tudo com referência aos monstros e a Noite das Bruxas.  
 
As bruxas não existem, mas...
Halloween é uma das maiores festividade dos norte-americanos. A celebração teve origem há mais de três mil anos. Os celtas, povo guerreiro que habitavam as terras que hoje pertencem a Irlanda, Inglaterra, Escócia e França, celebravam o fim de ano a cada 31 de outubro (essa data marcava  o final da época da colheita). Nessa data eles celebravam o Samhain, uma festa pagã.
Com a imigração europeia para os Estados Unidos, principalmente a dos Irlandeses católicos em 1846, a tradição chegou ao continente americano. E chegou para ficar.
Segundo um estudo realizado em 2001 pela consultora Ap-Ipsos, mais de um terço da população americana acredita em fantasmas e jura ter visto um ou sentido sua presença. E, um em cada cinco norte-americanos acredita nos efeitos dos feitiços e rituais.
Por isso, o Halloween é uma festa feita à medida para esta sociedade. Que além de acreditar nas lendas, quando se fala em Noite de Bruxas, logo pensa em fantasias, maquiagem, festas, doces... O seja: Consumo! Em 2012, por exemplo, o consumo na época de Halloween superou os 8.000 milhões de dólares. E ano após ano esse número vem crescendo. Se em 2005, os americanos gastavam em média 48 dólares para as festas de Halloween, nos últimos anos a média subiu para 75 dólares. 
Durante o Halloween, nas vitrines de qualquer loja, encontram-se caveiras, abóboras, teias de aranhas e fantasias. Entrando em uma loja de brinquedos provavelmente será atendido por Drácula,  Chuck o Boneco Assassino em seu carrinho de comida na 6th Avenida com a Brodway prepara seu  Hot Dog, ao entrar em uma farmácia pode ser que te atenda gentilmente a Mortícia Addams com um "Em que posso ajudar?". As fantasias de Halloween saem em torno de 30 dólares e, apesar do frio, as mulheres mais jovens usam "micro fantasias" de bruxa e batgirls que nas lojas custam 20 dólares.
  
Jason vs. Freddy na Times Square
A chuva continua. Chegou o outono em Nova York e a temperatura media é de 18 graus, com dias ensolarados e noites frescas. Outubro é uma ótima época para visitar a cidade. São os últimos dias de clima quente, antes de chegar o frio intenso, ainda dá pra aproveitar as atividades ao ar livre e desfrutar da paisagem, que diferente do verde habitual, nessa época do ano está perfeitamente pintada de laranja com dourado colorindo as folhas das árvores. Ainda não é inverno, mas estão abertas as pistas de patinação no gelo do Rockfeller Center, Central Park e do Bryant Park, onde o ingresso é totalmente gratuito, e o único que se paga é o aluguel dos patins. 
Time Square é o ponto de reunião da maior parte dos monstros que nesta noite estão soltos pela cidade. Não esteve em Nova York quem não caminhou pela Time Square, essa passarela de pedestres que é visitada por mais de 40 milhões de pessoas por ano. Que recebeu seu nome em 1904, por conta de uma interseção na rua 42, instalou-se a central do jornal New York Times. Assim foi que começou a ser chamada de Time Square (a praça do Time).

  
Resulta incrível: é noite, mas não é necessário utilizar o flash da câmera fotográfica. As luzes de néon e os outdoors de LED que fazem publicidade de milhares de produtos, espetáculos e vídeos games iluminam tudo. Absolutamente tudo. Time Square é a meca da publicidade, uma empresa pode chegar a pagar mais de quatro milhões de dólares por ano para alugar um espaço para publicar seu anúncio.
No restaurante Hard Rock, localizado na Brodway, entre as fotos de bandas e centenas de guitarras exibidas nas paredes do lugar, que serve hamburguesas, nachos e macarrões, Freddy Krueger tira uma selfie com Jason. Freddy Krueger se chama Sam e estuda arte contemporânea. Jason é um dominicano que se chama Victor, chegou a cidade há três anos para trabalhar com construção e sonha em algum dia ter seu próprio apartamento em Nova York, a cidade em que 36% dos habitantes nasceram fora dos Estados Unidos. O homem Lobo que aterroriza turistas desprevenidos que passam pela 42st Street é Dylan, um porto-riquenho que veio de férias com sua namorada, um dos mais de 50 milhões de turistas que a cada ano visitam a cidade. 
É Noite de Bruxas. E qualquer demônio pode te surpreender na próxima esquina. Para exorcizá-los é possível buscar refúgio na St. Malachy’s Catholic Church (239 West 49th Street). Fundada em 1902, é conhecida como a “Igreja dos Atores”. A particularidade é que historicamente se adaptou aos horários dos fiéis, que em sua maioria são músicos, atores e bailarinos da região, permanecendo sempre aberta até altas horas. Durante a noite é comum ver algum produtor da Brodway na igreja  acendendo uma vela para conseguir êxito em seu próximo espetáculo.
Agora começou um vento frio e todo mundo anda agasalhado. Mas, é noite de Halloween e ninguém vai dormir. Na Time Square  os turistas tiram Selfies a cada passo, jovens disfarçados se dirigem as festas de terror, que são celebradas nos terraços dos hotéis e casais se apressam para não chegar atrasado para o espetáculo na Brodway.
Em Nova York é impossível não sentir-se dentro de um filme. Sobre a 44th Street um homem coberto com um cartaz cheio de frases bíblicas anuncia que o fim do mundo está próximo, enquanto dois policiais passam ao seu lado comendo Donuts e uma limousine branca que não termina nunca, dobra a esquina em meio aos táxis amarelos. O asfalto está úmido. E o vapor sai pelos bueiros.
 
É como ver pela primeira vez...
Uma curiosidade: nesta cidade se filmam em média 200 filmes por ano e mais de 20 séries. Ao visitar Nova York, uma pessoa já sabe o que vai ver. Já viu muitas vezes antes, no cinema e na TV. Mas, a verdade é que estar aqui, entre os arranha-céus, os policiais que comem Donuts, as limousines e o vapor que sai dos bueiros no asfalto a noite, é como se estivéssemos vendo tudo pela primeira vez.
 
Para te devorar...
Já é quase meia noite. Trabalhadores braçais pegam no batente na 7th Avenue. São cinco, de roupa laranja, capacetes de proteção e britadeiras mecânicas. Trituram o asfalto a essa hora da noite, porque durante o dia é impossível fazer qualquer tipo de reforma por causa do trânsito, mas o que mais chama a atenção é que até eles estão com máscaras, sim, máscara de Hallowen. Trabalham em plena noite de Halloween sem perder do ritmo da comemoração.
A essa hora as lojas de presente e produtos eletrônicos, como a Disney Store (uma pequena Disneylândia) ou a famosa ToysRus, onde se poder ver o Empire State feito de Lego, já estão fechando as suas portas para voltar a atividade normais só na manhã seguinte. Mas as luzes da Time Square não se apagam. E o que continuam aberto, são os negócios de comida. Nesse momento é quando Iroman compra um Hot dog por 99 centavos de dólares em um dos mais de 4.000 carros de comida ambulante que estão espalhados pela cidade. Esses postos vendem desde hamburgue e churrasquinho de frango, até os famosos bagel e falafel. Na maioria dos carrinhos os atendentes são árabes e hindus, e esse carros de comida permanecem abertos durante toda a noite.
É assim: não importa a hora, Nova York cheira a comida. E das mais variadas.

 
Khalid come uma porção de pizza. Ele é egípcio e conta que faz cinco anos que mora em Nova York. Dirige um dos mais de 14.000 táxis que circulam pela cidade. Os táxis são um emblema de Nova York, sua cor é amarela porque o fundador da companhia de táxi “Yellow Cab Company“, leu em um estudo realizado pela Universidade de Chicago que o amarelo é a cor que mais se destaca entre as demais. 
Em inglês, Khalid conta que para tirar a permissão de conduzir táxi é exigência saber falar o idioma. Um taxista pode ganhar em torno de 30 mil dólares por ano trabalhando 12 horas por dia, e ele é claro, não é dono do táxi, apenas motorista, porque o valor de uma licença para ter um táxi em Nova York assusta mais do que qualquer monstro de Halloween: um milhão de dólares (o mesmo que um apartamento de dois cômodos em plena Wall Street!).
 
De volta para casa
Outra vez no metro. Em Nova York, o metro funciona durante toda a noite e transporta 1,5 milhões de pessoas por ano. Por 30 dólares, se pode comprar um tíquete que serve para viajar durante uma semana, sem importar a quantidade de viagens. Um dado curioso é que o metro de Nova York é o que tem mais estações de parada em todo o mundo: 468.
Na Time Square-42 Street Station um homem toca saxofone. É um blues. Veste calças jeans, jaqueta e um chapéu estilo Panamá. Não é qualquer pessoa que pode tocar nas estações do metrô. Para isso é necessário ter uma licença. A MTA (Autoridade Metropolitana de Transporte) é responsável de entregar as licenças, depois de realizar um casting com os artistas de qualquer parte do mundo que queiram apresentar-se no metrô de Nova York. 
Já são quatro da manhã. Todos os monstros voltam a suas casas. No metrô viaja uma pessoa com os lábios maquiados de sangue, dorme ao lado de uma linda jovem, morena com sotaque brasileiro, está disfarçada de gata. Também no mesmo vagão viajam alguns alemães que continuam brindando o Halloween, um Mario Bros que lê as primeiras notícias do dia no jornal, um alienígena que vai com sua mochila e os fones de ouvido. Um Batman bêbado, vampiras e princesas esqueléticas. 
Já não chove mais. E começa a sair o sol, a essa hora os porteiros lavam as calçadas dos prédios. Nova York se desperta. É sábado e muitos estão saindo para correr e fazer exercícios físicos e encontram com os monstros que estão voltando da longa noite de festa. Nova York a essa hora tem resquícios de álcool e cheiro de café recém passado. 
A Noite de Bruxas ficou para atrás nesta cidade repleta de personagens incríveis e lugares fantásticos, nesta cidade que vale a pena visitar em qualquer época do ano. Porque Nova York é um monstro por si só. Um monstro pela qual dá gosto ser devorado.